segunda-feira, 21 de julho de 2014

A Santificação do Secular



A Santificação do Secular


O Novo Testamento ensina que todas as coisas são puras para os puros, e creio que podemos supor que , para os maus, todas as coisas são más. A coisa em si não é boa nem má; a bondade ou maldade pertence à personalidade humana. Tudo depende do estado da nossa vida interior e das relações do nosso coração com Deus. O homem que anda com Deus verá e saberá que não existe uma estrita linha de separação entre o sagrado e o secular. Reconhecerá que o cerca um mundo de coisas criadas que, em si mesmas, são inocentes; e saberá, também, que há mil atos humanos que não são nem bons nem maus, exceto na medida em que são praticados por homens bons ou maus. O ativo mundo que nos rodeia está repleto de atividades como trabalho, viagens, casamento, educação dos nossos jovens, sepultamento dos nossos mortos, compras, vendas, dormir, comer e misturar-nos no intercâmbio social comum com nossos semelhantes.

Essas atividades e tudo mais que preenche os nossos dias, normalmente estão separadas em nossas mentes, da oração, da frequência à igreja e de atos religiosos específicos como os que os ministros realizam mais vezes durante a semana e leigos, uma ou duas vezes semanalmente. Dado que, em sua imensa maioria, os homens envolvem-se nas complexas ocupações da vida confiando totalmente em si mesmos, sem referência a Deus e à redenção, nós, cristãos, passamos a denominar  “seculares” essas atividades comuns e atribuir-lhes maldade, ao menos em algum grau, maldade que não lhes é inerente e que não necessariamente possuem. O apóstolo Paulo ensina que cada simples ato das nossas vidas pode ser espiritual. “Porquanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” e outra vez: “E tudo o que fizerdes, seja em palavra , seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus Cristo, dando por Ele graças a Deus Pai.”
Alguns dos grandes santos, que foram grandes porque levaram a sério admoestações como essas, e procuraram praticá-las, empenharam-se em realizar a santificação do secular, ou talvez eu deva dizer a abolição do secular. A sua atitude para com as coisas comuns da vida elevaram-nas acima do comum e lhes infundiram uma aura de divindade. Essas almas puras derrubaram as altas paredes que separavam as diversas áreas das suas vidas uma das outras e as viam todas como uma só;  e esta eles ofereceram a Deus como santa oblação aceitável a Deus mediante Jesus Cristo. Nicholas Herman ( o irmão Lourenço) fazia do seu ato mais comum, um ato de devoção. “Para mim, a hora de trabalho não difere da hora de oração”, dizia ele, “e no ruído e alvoroço da minha cozinha, enquanto várias pessoas estão pedindo ao mesmo tempo coisas diferentes, eu possuo a Deus com tão grande tranquilidade como se tivesse de joelhos.” Thomas Traherne, escritor cristão do século dezessete, declarou que os filhos do Rei não poderão fruir bem o mundo, enquanto não acordarem toda a manhã no céu, se acharem no palácio do Pai, e virem os céus, a terra e o ar como alegrias celestiais, tendo tão reverente estima por isso tudo, como se estivessem entre os anjos.

Isso não é  ignorar a queda do homem, nem negar a presença do pecado no mundo. Nenhum crente pode negar a Queda, como também nenhuma pessoa com alguma capacidade de observação pode negar a realidade do pecado; e quanto eu saiba, nenhum pensador de responsabilidade jamais sustentou que o pecado poderia perder seu caráter iníquo, fosse pela oração ou pela fé, ou por ministrações espirituais. Tampouco os escritores inspirados da Escritura Sagrada, e aquelas almas iluminadas que baseiam os seus ensinos nas Escrituras, jamais tentaram fazer do pecado outra coisa que algo excessivamente iníquo. É possível reconhecer o caráter sagrado de todas as coisas, mesmo se admitindo que, por ora, o mistério do pecado opera nos filhos da desobediência e a criação inteira geme e tem dores de parto, aguardando a manifestação dos filhos de Deus. Traherne via a transparente contradição e a explicava: “Condenar o mundo e gozá-lo são coisas contrárias uma a outra. Como podemos condenar o mundo, nós, que nascemos para desfrutá-lo? Na verdade há dois mundos. Um feito por Deus e outro feito pelos homens. O mundo feito por Deus era grandioso e belo . Antes da Queda, era a alegria de Adão e o templo da sua glória. O mundo feito pelos homens é uma Babel de confusões: riquezas, pompa e vaidades, tudo inventado pelo homem e produzido pelo pecado. Daí tudo (dizia Thomas à Kempis) por tudo. Deixai um deles para poderdes gozar o outro.”

Tais almas realizaram a santificação do secular. A igreja hoje padece da secularização do sagrado. Ao aceitar os valores do mundo, ao pensar como pensa o mundo e ao adotar os seus modos de ser e de agir, obscurecemos a glória que brilha nas alturas. Não fomos capazes de submeter a terra ao julgamento do céu, de modos que submetemos o céu ao julgamento da terra. Tem piedade de nós, Senhor, pois não sabemos o que fazemos.

Bibliografia
Texto adaptado do artigo:” A Santificação do Secular”
Livro:” Homem: habitação de Deus” pág. 41-45
1ª edição brasileira, abril de 1989
Editora Mundo Cristão

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