A
Santificação do Secular
O Novo Testamento ensina que
todas as coisas são puras para os puros, e creio que podemos supor que , para
os maus, todas as coisas são más. A coisa em si não é boa nem má; a bondade ou
maldade pertence à personalidade humana. Tudo depende do estado da nossa vida
interior e das relações do nosso coração com Deus. O homem que anda com Deus
verá e saberá que não existe uma estrita linha de separação entre o sagrado e o
secular. Reconhecerá que o cerca um mundo de coisas criadas que, em si mesmas,
são inocentes; e saberá, também, que há mil atos humanos que não são nem bons
nem maus, exceto na medida em que são praticados por homens bons ou maus. O
ativo mundo que nos rodeia está repleto de atividades como trabalho, viagens,
casamento, educação dos nossos jovens, sepultamento dos nossos mortos, compras,
vendas, dormir, comer e misturar-nos no intercâmbio social comum com nossos
semelhantes.
Essas atividades e tudo mais
que preenche os nossos dias, normalmente estão separadas em nossas mentes, da
oração, da frequência à igreja e de atos religiosos específicos como os que os
ministros realizam mais vezes durante a semana e leigos, uma ou duas vezes
semanalmente. Dado que, em sua imensa maioria, os homens envolvem-se nas
complexas ocupações da vida confiando totalmente em si mesmos, sem referência a
Deus e à redenção, nós, cristãos, passamos a denominar “seculares” essas atividades comuns e
atribuir-lhes maldade, ao menos em algum grau, maldade que não lhes é inerente
e que não necessariamente possuem. O apóstolo Paulo ensina que cada simples ato
das nossas vidas pode ser espiritual. “Porquanto, quer comais, quer bebais, ou
façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” e outra vez: “E
tudo o que fizerdes, seja em palavra , seja em ação, fazei-o em nome do Senhor
Jesus Cristo, dando por Ele graças a Deus Pai.”
Alguns dos grandes santos,
que foram grandes porque levaram a sério admoestações como essas, e procuraram
praticá-las, empenharam-se em realizar a santificação do secular, ou talvez eu
deva dizer a abolição do secular. A sua atitude para com as coisas comuns da
vida elevaram-nas acima do comum e lhes infundiram uma aura de divindade. Essas
almas puras derrubaram as altas paredes que separavam as diversas áreas das
suas vidas uma das outras e as viam todas como uma só; e esta eles ofereceram a Deus como santa
oblação aceitável a Deus mediante Jesus Cristo. Nicholas Herman ( o irmão
Lourenço) fazia do seu ato mais comum, um ato de devoção. “Para mim, a hora de
trabalho não difere da hora de oração”, dizia ele, “e no ruído e alvoroço da
minha cozinha, enquanto várias pessoas estão pedindo ao mesmo tempo coisas
diferentes, eu possuo a Deus com tão grande tranquilidade como se tivesse de
joelhos.” Thomas Traherne, escritor cristão do século dezessete, declarou que
os filhos do Rei não poderão fruir bem o mundo, enquanto não acordarem toda a
manhã no céu, se acharem no palácio do Pai, e virem os céus, a terra e o ar
como alegrias celestiais, tendo tão reverente estima por isso tudo, como se
estivessem entre os anjos.
Isso não é ignorar a queda do homem, nem negar a
presença do pecado no mundo. Nenhum crente pode negar a Queda, como também
nenhuma pessoa com alguma capacidade de observação pode negar a realidade do
pecado; e quanto eu saiba, nenhum pensador de responsabilidade jamais sustentou
que o pecado poderia perder seu caráter iníquo, fosse pela oração ou pela fé,
ou por ministrações espirituais. Tampouco os escritores inspirados da Escritura
Sagrada, e aquelas almas iluminadas que baseiam os seus ensinos nas Escrituras,
jamais tentaram fazer do pecado outra coisa que algo excessivamente iníquo. É
possível reconhecer o caráter sagrado de todas as coisas, mesmo se admitindo
que, por ora, o mistério do pecado opera nos filhos da desobediência e a
criação inteira geme e tem dores de parto, aguardando a manifestação dos filhos
de Deus. Traherne via a transparente contradição e a explicava: “Condenar o
mundo e gozá-lo são coisas contrárias uma a outra. Como podemos condenar o
mundo, nós, que nascemos para desfrutá-lo? Na verdade há dois mundos. Um feito
por Deus e outro feito pelos homens. O mundo feito por Deus era grandioso e
belo . Antes da Queda, era a alegria de Adão e o templo da sua glória. O mundo
feito pelos homens é uma Babel de confusões: riquezas, pompa e vaidades, tudo
inventado pelo homem e produzido pelo pecado. Daí tudo (dizia Thomas à Kempis)
por tudo. Deixai um deles para poderdes gozar o outro.”
Tais almas realizaram a
santificação do secular. A igreja hoje padece da secularização do sagrado. Ao
aceitar os valores do mundo, ao pensar como pensa o mundo e ao adotar os seus
modos de ser e de agir, obscurecemos a glória que brilha nas alturas. Não fomos
capazes de submeter a terra ao julgamento do céu, de modos que submetemos o céu
ao julgamento da terra. Tem piedade de nós, Senhor, pois não sabemos o que
fazemos.
Bibliografia
Texto
adaptado do artigo:” A Santificação do Secular”
Livro:”
Homem: habitação de Deus” pág. 41-45
1ª edição
brasileira, abril de 1989
Editora
Mundo Cristão
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